É possível regularizar área rural menor que a fração mínima de parcelamento estabelecida pelo INCRA?

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A primeira pergunta a se fazer é sobre a origem da posse dessa área. Ou seja, se foi por meio de um contrato particular de compra e venda, contrato particular de cessão de direitos, contrato de cessão de posse, etc., ou se trata-se de posse sem oposição e de longa data.

Isso porque, a Lei 4.504/1964 – Estatuto da Terra, em seu artigo 65, dispões que “o imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural”.

O responsável pela definição desses módulos é o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA e cada município possui uma fração mínima, ou seja, ela varia de município para município.

Essas frações são fixados em hectares, levando-se em consideração o tipo de exploração predominante em cada município, a renda obtida no tipo de exploração predominante, outras explorações existentes, embora não predominantes, sejam expressivas em função da renda ou da área utilizada e o conceito de “propriedade familiar”.

Muita gente irá dizer que é possível regularizar área rural menor que a fração mínima de parcelamento por meio da usucapião, porém, não é tão simples assim e nem todas as posses serão possíveis de serem regularizadas por meio desse instituto.

Nós já falamos aqui sobre as modalidades de usucapião e seus requisitos e uma delas é a da usucapião especial rural, prevista no artigo 1.239 do Código Civil – Lei 10.406/2002 e artigo 191 da Constituição Federal, que nos traz as seguintes redações:

Constituição Federal, art. 191: “Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.”

Código Civil, art. 1.239. “Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Dos requisitos previstos nos diplomas acima, dois deles é “área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares” e “tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia”.

Ou seja, tanto a Lei Maior quanto a legislação infraconstitucional não determinam limite mínimo de área, mas tão somente um limite máximo, que é o de 50 hectares para a usucapião especial rural, o que significa, pela interpretação da letra da lei, que qualquer área menor que 50 hectares poderá ser usucapida.

Agora, volte e veja o destacado acima nas redações dos dispositivos: “tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia”, o que significa que esse pedaço de terra deve cumprir a sua função social para ser possível a usucapião, pois, nesse caso, estaremos falando da usucapião especial rural.

Agora, voltamos a pergunta: é possível regularizar área rural menor que a fração mínima de parcelamento estabelecida pelo INCRA?

Sim! E nesse caso será pela usucapião especial rural, onde o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento nesse sentido, conforme Resp 1040296 ES e o qual também foi objeto do enunciado nº 594 do Conselho da Justiça Federal:

“…6. Assim, a partir de uma interpretação teleológica da norma, que assegure a tutela do interesse para a qual foi criada, conclui-se que, assentando o legislador, no ordenamento jurídico, o instituto da usucapião rural, prescrevendo um limite máximo de área a ser usucapida, sem ressalva de um tamanho mínimo, estando presentes todos os requisitos exigidos pela legislação de regência, parece evidenciado não haver impedimento à aquisição usucapicional de imóvel que guarde medida inferior ao módulo previsto para a região em que se localize. (STJ – Resp 1040296 – 2008/0059216-7, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 02/06/2015, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/08/2015)”

“Enunciado nº 594 do CJF: “É possível adquirir a propriedade de área menor do que o módulo rural estabelecido para a região, por meio da usucapião especial rural.”

Mas, e como ficam aquelas áreas rurais menores que o modulo rural, onde não há atividade produtiva, ou seja, onde a posse se dá para fins urbanos e não rurais, onde nunca houve moradia da família e pretendida por quem já é proprietário de outros imóveis rurais e/ou urbanos?

Esse é o problema que enfrentamos para regularizar, já que, primeiro, a outra forma de regularizar imóvel rural fora dos requisitos da usucapião especial rural seria pela usucapião extraordinária, porém, a usucapião extraordinária de imóvel rural não alcança direito de quem alega ter a posse de um imóvel rural abaixo do módulo fiscal, pois, nesse caso, a área não está cumprindo a sua função social, que é o abarcado pela tutela da usucapião especial rural.

Veja, na grande maioria dos casos – ou no caso que estamos analisando – essas posses quase sempre já nascem de forma irregular. É aquele pedacinho de terra que se compra com um contrato de gaveta para fins de lazer; a chamada chacrinha de lazer.

E qual é a saída?

A saída é não adquirir área rural abaixo dessa fração mínima de parcelamento (FMP), pois sua regularização não é possível e ainda se trata de um parcelamento ilegal de área rural.

Mas e seu eu já comprei uma área dessas há muitos e muitos anos, por meio de contrato particular de gaveta (sem registro no cartório de registro de imóveis), o que posso fazer?

Ex.: Pessoa “A” é proprietário de uma área rural de 25 hectares, em uma localidade onde a Fração Mínima de Parcelamento é de 20 hectares. No exemplo, podemos perceber que o imóvel cumpre as formalidades legais, pois é de propriedade de uma única pessoa e está dentro da FMP.

Essa pessoa “A” não utiliza toda a área e decide vender – por meio de contrato de gaveta – para “B” uma pequena fração dessa área e abaixo da FMP, porém, de forma delimitada, localizada dentro dessa área. Essa venda, além de ser ilegal, já que a pretensão é de parcelamento irregular desse solo, pois não atende a FMP, jamais será registrada no cartório de registro de imóveis.

Agora, num outro exemplo, se a pessoa “A” decide vender para “B” – em condomínio – fração ideal menor que o módulo rural desse todo, sem delimitação, não há qualquer problema. Aliás, nesse caso, nem se cogita a possibilidade de regularização por meio da usucapião, já que sequer cumpre os requisitos desse procedimento.

A aquisição de imóveis em condomínio não é ilegal (arts. 1.314 a 1.326 do CC). Portanto, o imóvel ficará em condomínio e poderá ser devidamente registrado na matrícula as frações ideais de cada condômino:

“EMENTA OFICIAL: DIREITO REGISTRAL – APELAÇÃO – SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA – REGISTRO DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA – NEGATIVA – IMÓVEL RURAL – ALIENAÇÃO DE FRAÇÃO IDEAL INFERIOR AO MÓDULO RURAL – REGIME DE CONDOMÍNIO –- VENDA DE QUINHÃO – AUSÊNCIA DE PROIBIÇÃO LEGAL – RECUSA INJUSTIFICADA – RECURSO DESPROVIDO. – Mostra-se injustificada a recusa do Oficial de Registro de Imóveis em proceder ao registro de escritura pública de compra e venda, quando o negócio jurídico envolve fração ideal de imóvel rural, já constituída e registrada, ainda que a respectiva área seja inferior ao módulo rural. Afinal, não se trata de desmembramento, mas apenas de venda de fração ideal de imóvel em regime de condomínio. (TJMG. Apelação Cível n. 1.0000.21.070445-8/001, Comarca de Alfenas, Relator Des. Moreira Diniz, julgada em 04/11/2021 e publicada em 05/11/2021)”.

Contudo, essa fração – que é menor que o módulo rural – será do todo, não sendo possível delimitar as áreas de cada um. Nesse caso, é perfeitamente possível registrar essa fração ideal, mas apenas nesse caso.

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